domingo, 22 de junho de 2008

Alma oceânica


Surfista olhava aquele ambiente hostil e não se sentia bem. Pessoas falavam alto, bebiam e fingiam estar felizes. Aquela roupa engomada enforcava e deixava-o pouco à vontade.

Ele olhava para os olhos vazios dos que iam e vinham percebendo a hipocrisia e a mentira no fundo destes. Cumprimentos, tapinhas nas costas, mas por trás os venenos das línguas. Como disse Jesus, nem tão importante é o que entra pela boca, mas o que sai.

Era uma festa, onde todos riam, dançavam, e inebriados com tudo aquilo fumavam e bebiam mais e mais. Ele com olhos marejados sentia-se deslocado. Não entendia como a vida funcionava. Por que as pessoas fingiam estar felizes, usando máscaras para a sociedade?

Luxo, ostentação, o ter acima do ser, vivendo em um ritmo frenético, onde os segundos passam cada vez mais rápido e não se tem tempo para nada! Não há tempo para amar, brincar, rir com os amigos ou pessoas que nos agradem. Tempo para ser feliz, sorrir e dar um beijo nos filhos, dizer eu te amo para a namorada.
Essas pequenas coisas, que deveriam ser as grandes, tornan-se cada vez menores e nos distanciamos cada vez mais da vida real. Talvez queiramos realmente viver os reallities shows e nos alienarmos cada vez mais.

Sem que percebessem, ele resolveu fugir daquilo. Saiu para dar uma volta de carro e respirar ar puro. Parou em uma praia próxima, desabotoou a camisa e na sua ingenuidade ficou ali parado a contemplar o mar e as estrelas, sentindo-se livre.


Morar em uma metrópole e achar que existe liberdade, se não for ingenuidade, é uma tolice! Somos presos aos nossos eternos compromissos: escolas, trabalhos, encontros sociais e é claro, os nossos limites de segurança; o que ele infelizmente não conhecia.

Foi abordado por dois indivíduos que o colocaram na mala do seu carro e saíram rodando por duas horas pelas ruas da cidade. Essas foram horas não de angústia, mas de reflexão.

O que aconteceria a partir dali? Será que veria de novo o seu filho, as pessoas que amava? E por que ele que sempre lutou contra o ritmo e conduta do meio burguês continuava a fazer parte daquilo? Quantas coisas tinha para dizer para tanta gente. O seu sonhado diploma, talvez não chegasse mais!
Como era mesmo o nome daquele cara que era seu amigo na infância? Nuno, era isso! Talvez nunca o reencontrasse.

Perdido nesses pensamentos que iam e vinham imaginou que aqueles poderiam ser seus últimos momentos no plano terrestre, e a única coisa que poderia fazer era orar e pedir a Deus que serenasse os seus pensamentos e que se fosse da sua vontade, o seu desencarne se desse de uma forma tranqüila.

Amparado pelos anjos guardiões, uma imensa paz tomou conta do seu ser e ele mentalmente se transportou para um lugar lindo, onde a sua alma sentia-se livre, o oceano. O que ele via agora eram magníficas ondas, onde deslizando-as sentia-se satisfeito.

Aquele era o seu mundo, tinha nascido para aquilo! O contato do sal com a pele, o barulho das espumas na arrebentação, o sol ofuscando a visão, o ruído das gaivotas, os peixes e as tartarugas que vinham saudá-lo, o sorriso dos seus amigos ao finalizarem mais uma onda. Era tudo tão perfeito que realmente pensou que havia chegado há sua hora, pois todos narravam que o êxtase era sempre o momento que precedia a passagem para o plano astral.

Mas no caso dele não foi o que aconteceu! Milagrosamente apareceram dois policiais que o salvaram, e ele pode voltar ileso para casa, abraçar o seu filho e no outro dia bem cedinho pegar sua prancha e sorrindo gritar muito alto agradecendo por ali estar.

Depois dessa dura lição, ele agora tenta mostrar as pessoas que elas não precisam de muito para viverem felizes. Amor, carinho, atenção e amizade são valores supremos e tem que estar acima de todo esse lixo que nos empurram no dia a dia.

Não precisamos ter o carro do ano, nem estar vestidos com a roupa da moda para que alguém nos ame, nem muito menos achar que ter dez namoradas significa ter sucesso! Não precisamos entrar em um ritmo louco sem tempo para nada para sermos responsáveis ou mostrarmos que somos capazes.

O ato de surfar uma onda resume perfeitamente o que seja o sentido da vida. Ser você mesmo, fazer o que se gosta, estar em contato com a natureza e sentir-se livre. Beijar a namorada, dizer eu te amo, isso é viver!

Precisamos sim surfar mais, amar mais, sermos mais solidários com os nossos irmãos e fazermos menos guerras.

* Palavra de surfista


Fonte
Foto: Breno Lúcio

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