quarta-feira, 8 de abril de 2009

Como surgiu o conceito de sustentabilidade?


Num bate-papo pleno de respostas sinceras e diretas, a ambientalista, consultora ambiental e uma das fundadoras da ONG Amigos do Futuro, Rejane Pieratti, fala com clareza sobre os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, e aproveita para dar um puxão de orelhas nas empresas que usam e abusam do discurso ambientalista, mas não o implementam de fato no seu dia-a-dia. Ela também aproveita a oportunidade para lançar um desafio de auto-reflexão para os leitores do Responsabilidade Social.com. Confira, a seguir, a entrevista:

1) Responsabilidade Social – Como surgiu o conceito de sustentabilidade?
Rejane Pieratti – Ao falar de sustentabilidade, o foco se volta para o conceito do Triple Bottom Line, criado nos anos 90 pelo cientista social Americano, John Elkington e conhecido como os 3 Ps (People, Planet and Profit) ou, em português, PPL - Pessoas, Planeta e Lucro; ou ainda como o tripé da sustentabilidade, onde estão contidos os aspectos econômicos, ambientais e sociais.

2) RS – O que faz um empreendimento ser sustentável?
RP – Para um empreendimento humano ser sustentável, tem de ter em vista quatro requisitos básicos. Esse empreendimento tem de ser: ecologicamente correto; economicamente viável; socialmente justo; e culturalmente aceito.

3) RS – Quando se fala sobre a questão ambiental rapidamente surge a discussão sobre consumo e padrões de produção, e a cobrança recai principalmente sobre as empresas. O que elas podem fazer para participarem efetivamente do Desenvolvimento Sustentável?
RP – O termo Desenvolvimento Sustentável foi mencionado pela primeira vez em 1987 no relatório "Nosso Futuro Comum", documento elaborado durante a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, liderada pela então primeira ministra da Noruega, Gro-Brundtland: "É aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas necessidades".

A primeira iniciativa para inserir essa idéia na gestão dos negócios surgiu com o conceito de Ecoeficiência, que foi apresentado na Rio-92 pelo empresário suíço Stephan Schmidheiny. Como foi um conceito definido pelo próprio mundo dos negócios foi rapidamente popularizado entre os executivos de todo o mundo. Segundo ele: "Ecoeficiência é uma filosofia de gerenciamento que leva à sustentabilidade, combinando desempenho econômico e ambiental e reduzindo os impactos ambientais ao utilizar mais racionalmente matérias-primas e energia". Então vemos que um dos desafios das empresas para serem competitivas é integrar a variável ambiental à gestão dos seus negócios.

4) RS – Em que pé as empresas brasileiras se encontram nessa caminhada rumo à sustentabilidade?
RP - Cá pra nós, se aproximarmos o nosso olhar veremos que o tal do tripé ainda está um tanto "capenga".

5) RS – Porque "Capenga?
RP – Porque no que diz respeito ao "pé" econômico, as empresas vêm buscando excelência, superando crises e lutando por melhores condições através de suas entidades de classe. Em relação ao "pé" da Responsabilidade Social, elas estão exercitando e melhorando seu desempenho já há algum tempo.

Muitas no início tiveram que aprender até que a ajuda financeira que davam à creche ou ao projeto esportivo da escola vizinha era somente um assistencialismo ou, quando muito, um investimento social privado, e que para entrarem no mundo das empresas socialmente responsáveis precisavam desenvolver a capacidade de ouvir, compreender e satisfazer expectativas e interesses de seus diversos públicos. Ainda hoje é grande o trabalho de entidades como o Instituto Ethos para fazer com que as empresas entendam que a responsabilidade social deve fazer parte do DNA da empresa.

Mas quando se fala sobre o terceiro "pé", o Ambiental, a maioria tem a mesma reação: "Isso é custo. É encheção de saco de ambientalistas que não tem o que fazer." Aliás, diga-se de passagem, é graças a esses ambientalistas que um restinho da Mata Atlântica ainda existe, que o peixe-boi, a baleia jubarte, o golfinho rotador, os tubarões, as tartarugas e tantas outras causas estão sendo protegidas. Com certeza devemos muito a essa gente boa e forte que vem vencendo grandes batalhas.

6) RS – E como a senhora acredita que esse "pé" pode ser fortalecido para que as empresas possam alinhar-se aos novos paradigmas da sustentabilidade?
RP – Fico muito preocupada com o discurso vazio que cresce a cada dia em nome da sustentabilidade. As grandes empresas já possuem um departamento de gestão ambiental, é bem verdade que muitas vezes somente por força de cumprimento a legislações, resoluções e normas ambientais.

Enquanto a gestão ambiental continuar sendo vista como apenas um departamento reativo, sem fazer parte da gestão global das empresas, a mudança desejada não vai acontecer. As demais, na grande maioria dos casos, ouviram o galo cantar, sabem que deveriam estar fazendo algo a respeito, mas não sabem nem por onde começar. Apesar disso, para não ficarem por fora da "onda", colocam em seus sites um monte de artigos bonitos falando sobre o tema ou alguma frase no final de seus e-mails como: "pense antes de imprimir", etc.

Existem ainda as que acham que podem sustentar o "pé" ambiental implementando apenas uma coleta seletiva muito mal feita ou mesmo somente neutralizando suas emissões de carbono plantando árvores – o que a meu ver já é um bom passo, mas que como iniciativa isolada pode ser vista muitas vezes como forma de indulgência. São várias iniciativas isoladas que têm seu mérito sim, mas elas não podem ser referenciais para empresas ambientalmente responsáveis, e o que tem acontecido é que elas acabam apenas maquiando a questão e não permitindo que o propósito do "pé" ambiental seja contemplado de fato: melhorar o desempenho ambiental das empresas.

E o caminho é muito mais simples do que se imagina: é começar conhecendo quais são os impactos causados pela empresa, pois não se pode ser responsável pelo que sequer se conhece; criar programas com objetivos, metas e indicadores para minimizar esses impactos; monitorar, avaliar e voltar sempre ao início do ciclo para que aconteça um processo de melhoria contínua. O grande desafio a meu ver é mudar o olhar e, com isso, mudar a forma de pensar e agir com relação à ecoeficiência.

7) RS – Percebemos que a sociedade está mais atenta às atitudes de responsabilidade socioambiental das empresas. Como cada um pode contribuir?
RP – Ficando atentos e críticos com relação aos discursos e aos reais resultados das ações das empresas. Os discursos são realmente muito bonitos e devem servir como inspiração para ações que mostrem resultados mensuráveis. Não temos mais tempo para ficar fazendo de conta, precisamos todos começar a cobrar os resultados em números que virão a partir de mudanças culturais. O que o tal do tripé precisa é estar apoiado em bases sólidas.

Durante muito tempo o consumidor elegeu como principais atributos o preço e a qualidade. A tecnologia hoje permite que a qualidade seja alcançada e o preço seja competitivo. Aí chega a hora em que o consumidor tem que ter consciência de que tem um grande poder: o de escolher as empresas que oferecem, além desses atributos, outros valores importantes como compromisso social e ambiental.

Quero aproveitar para propor aos leitores da revista Responsabilidadesocial.com uma reflexão a partir de algumas perguntas:
• Estamos satisfeitos com os resultados do "pé" ambiental da sustentabilidade?
• Será que ele vai realmente se fortalecer, ou na hora de mostrar resultados ele vai ser sublimado em detrimento do intocável interesse do capital (cada vez mais liberal)?
• Como consumidores estamos atentos, críticos e atuantes?
• Estamos todos fazendo o nosso dever de casa dentro de nossas entidades?

8) RS – Qual é a sua definição pessoal do termo Responsabilidade Social?
RP – Não tem muito como fugir do conceito de que é conciliar as necessidades de todos os Stakeholders, ou públicos de interesse, mas não devemos nos esquecer que o meio ambiente é um deles. E se as empresas são tão práticas e objetivas no que diz respeito ao lucro, já aplicam suas ferramentas de administração para mensurar o retorno social do seu Investimento Social Privado, já passa da hora de serem mais objetivas com relação aos seus impactos ambientais e utilizar essas tão conhecidas ferramentas para melhorar seu desempenho ambiental de maneira eficiente e eficaz.

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