terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Surf de alma





Artigo muito bacana escrito por Bruno Ruy para o NextSurf.
Vamos a ele:



Apesar do senso poético que norteia minha vida, sempre questiono qual a melhor definição pra surf de alma. E pra outra pérola do nosso esporte: "o verdadeiro espírito do surf". E nesse caso, como seria o "falso espírito do surf" ou o "surf sem alma". Essas definições são tão concretas quanto o meio onde se desenvolve o surf. Tudo é extremamente relativo.

Pra quem desce 50 pés de onda, o verdadeiro espírito do surf está na possibilidade de "chamar a natureza pro pau" e dar conta do recado, mesmo que pra isso seja necessário um amigo de jet ski na retaguarda. Ai, vem alguém que faz isso na remada e diz: "o verdadeiro espírito do surf é encarar isso no braço, porque a máquina mata a essência do surf". Percebe?

Sonhar com a primeira vez no Hawaii incorpora o verdadeiro espírito do surf. Chegar lá e ficar no inside de Pipe, seria surf sem alma? Quem perde a balada, despista a namorada, tudo, só pra poder surfar, tem mais alma de surfista do que o maluco que transou a noite inteira, bebeu todas, riu muito e só consegue pegar as sobras mexidas no final de tarde?

Campeonatos à parte, por que alguém surfa? Prazer? Só isso? Ou a platéia importa? Os reis havaianos surfavam tranqüilos em praias reservadas pra eles. Aos súditos cabia fazer o coro de uhuuu!!! a cada boa manobra realizada e se contentar com os piores picos e pranchas. Hoje, todo mundo tem um toco que bóia e a democratização do esporte terminou em crowd, que por sua vez, gera a competitividade. A realeza, nesse caso, é conseguida pelo fato de você ser local do pico ou surfar muito mais do que os outros. O homem é competitivo por natureza, desde a pré-história. E esse jogo do "sou mais forte pra proteger minha caverna", inevitavelmente invade o campo do lazer, mesmo quando esse é aquático como o nosso.

Acho o máximo quando vejo alguém que surfa mal e ao sair da água relata com detalhes incríveis uma merreca que nem parede tinha e faz com que pareça que surfou Mavericks. Tem gente que nunca entubou, mas sai da água dizendo: viu meu tubo? Ai eu penso: bom, se ele acha que entubou, ou que a onda tinha um tamanho 5 vezes maior do que o real, então esse cara é muuuuito feliz. Porque o surf tem que ser pra você, pra mais ninguém. Se depois de um dia de surf você for dormir se achando o máximo, quem tem o direito de dizer o contrário?

Se eu tivesse que definir mesmo o surf de alma, diria que é a sensação da primeira onda surfada que se carrega pela vida afora, como se fosse um vírus para o qual não acharam a cura. A eterna dependência da água salgada e a fissura de poder deslizar em ondas que nunca se repetem. Um desvirginar eterno que concede um poder especial ao homem.

Conheço muita gente que vendeu a alma pro diabo pra poder surfar. Aí não resta alternativa a não ser botar pra baixo. Mesmo desalmado.

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